Aquele dia tinha tudo pra ser comum; era uma segunda-feira, mais uma, nublada e cinzenta. Tinha tudo pra ser, mas não era. A formatura de jovens do terceiro ano estava acontecendo no colégio Belle Peol, e Joan já tinha se formado. Veio andando com suas amigas pelo nobre bairro onde morava, e despediram-se. Quando se aproximou de sua casa, notou que o espantalho que sua mãe tinha colocado no jardim estava um pouco inclinado pra frente. Mas pensou que era bobagem, que talvez tivesse sido o vento. Era dia de halloween, e quando chegou a noite, Joan colocou seu chapéu, dizendo a todos que era uma boa bruxa de Salém. Quando ia distribuir doces a uma criança que estava perto, do outro lado, se espantou instantaneamente. Pensou no esforço incansável que aquela pessoa levara pra fazer aquela fantasia, e depois voltou pra casa. Cansada, tirou o chapéu, apagou as luzes e se deitou.
No silêncio daquela casa, dormiu sem notar. A noite estava chuvosa, o que era bem normal naquela época por ali, e Joan tinha calafrios e espasmos; estava tendo um pesadelo do qual sentia que não podia sair. Acordou num pulo pela luz do relâmpago, assustada, com a respiração mais forte que o normal. Decidiu se levantar e foi até a cozinha, e enquanto estava bebendo um pouco d’água, pensou ter ouvido algo arranhando a cabeceira de sua cama. “Bobeira”, pensou, e de novo pôs-se a dormir.
Joan, que não era supersticiosa e tão menos medrosa, notou que tudo ocorria normal nos dias que sucederam aquela noite. E então, dias depois, chamaram-na pra uma festa. Ia acontecer no bairro de cima, na casa de uma das suas amigas que também esteve na formatura. Joan achou uma ótima chance pra se divertir, afinal, ela precisava ir. E foi. O caminho era longo, e Joan, junto com Mary, decidiu que pegariam um atalho.
Era uma parte escura do bairro, e Joan não gostava dali. Acelerou o passo, mas não sem antes notar de canto de olho um vulto. Quando chegaram, finalmente, dança vai, dança vem, beijos e mais beijos. Em meio a música alta, Joan sentou do lado de Mary, que estava deitada em um dos puffs dali. Perguntou se também não teve a sensação de que mais cedo alguém as esteve seguindo. Mas Mary disse que era besteira, coisa da imaginação. “Nós estávamos sozinhas lá, com certeza foi uma coisa que cê deixou sua mente criar”. E se levantou, foi dançar mais. Depois de beber o último copo de vinho que estava na sua mão, deixou passar um tempo e Joan decidiu que ia embora. Já era mais de 00h, e no dia seguinte sairia à procura de emprego, mas a única coisa que sabia naquele momento é que queria dormir por uns cinco anos. Sentia que não se divertia daquela forma há muito tempo, e seus pés aparentavam que só queriam dançar mais. Ao chegar em casa, ouviu de novo aquele silêncio. Era ensurdecedor pra Joan, pois era fim de semana, e sua família costumava sempre ficar acordada até tarde nesse período. Mas não via nada de estranho, afinal, talvez também estivessem cansados. Ou talvez ela estivesse embriagada demais pra notar qualquer coisa. Tropeçando em suas pernas, entrou no quarto. Começara a chover novamente. Joan estava em frente ao espelho tirando todas aquelas marcas de batom borrado de si, quando ouviu que a chuva ficava mais forte, era uma tempestade. Parou de tirar os brincos e correu para fechar a janela. E quando conseguiu, deu um passo rápido pra trás ao ver o reflexo momentâneo de alguém. Fechou também as cortinas, e voltou pro espelho. Seu coração acelerou quando ouviu um estrondo. Foi ver se alguém tinha acordado, acendeu a luz. “Mãe?”, foi por quem ela chamou quando se deparou com um ser. Tinha alguém ali sim, mas não era ninguém de sua casa. Era aquela garota do halloween. Aquela criatura, ali, estática, se fixava nela. Seus olhos eram vazios e fundos, e exalava um cheiro péssimo. Algo como... enxofre. Joan pôde ver seus olhos se tornarem totalmente brancos em um piscar, enquanto a criatura começou a se mover lentamente em sua direção. Ela correu pro outro lado e foi pro andar de cima. Na escada, pegou rapidamente o celular e discou o número de Mary. Disse em desespero que havia alguém ali querendo matá-la e Mary não entendia o que ela dizia, pedia que ela se acalmasse, enquanto ela só conseguia repetir, e a ligação foi cortada. Joan ouviu passos, jogou o celular no chão e se escondeu por trás de uma parede. Tentava entrar no único quarto que tinha uma janela grande o suficiente pra que ela conseguisse fugir sem problemas, mas a porta estava trancada. Conseguiu ficar ali, escondida, sem que a criatura a visse. E depois de alguns minutos, desceu as escadas em passos calmos e foi até o banheiro; lembrou-se que seu pai guardava uma arma em uma cerâmica falsa na parede. Pensou que poderia usá-la, mas não conseguia enxergar bem. Tentou acender as luzes, mas os fusíveis tinham sido estragados. Mesmo assim, tentou encontrar a cerâmica pra soltá-la, quando viu pelo espelho aquela criatura. E agora carregava uma faca. Recuou quase que silenciosa, mas não foi o suficiente. Seu choro voltou a ficar alto, e ela ouviu. Mas não estava ali. E enquanto Joan olhava pra ter a certeza de que podia se levantar, a pia se soltou e caiu por cima de seu pulso. Um pedaço da porcelana a tinha penetrado, e enquanto Joan tentava tirar todo aquele peso de cima de si, com um choro de dor, podia ouvir a criatura aproximando-se. Conseguiu, e sem se preocupar, jogou um daqueles cacos em seu rosto. Levantou e começou a correr. Mas de suas veias saía muito sangue, o ferimento tinha sido profundo e estava aberto. O máximo que ela conseguiu chegar foi no jardim. Se escondeu no depósito, e lá, por trás da prateleira, ficou quieta. Com a mão por cima da boca para não fazer mais barulho, Joan fechou seus olhos e tentou imaginar algo bom, mas não conseguia... O medo exalava pelas lágrimas que corriam pelo seu rosto, e conseguindo ouvir os passos da criatura, seu coração ficava cada vez mais apertado. Num impulso, porém, empurrou a prateleira em cima da criatura, e voltou a correr. Chegou ao portão e saiu correndo pela rua. Gritava por socorro, mas ninguém a ouvia. Não havia mais ninguém além dela, e nem chuva. Só uma névoa espessa que cobria todo o ambiente. A criatura corria atrás de Joan, e quando ela desviou e olhou pra trás, viu Mary chegando em sua casa. Tinha uma chance de ir embora, mas a deixou pra trás quando a criatura a olhou com um sorriso malicioso e desapareceu. Joan começou a correr de volta e gritar por Mary, dizendo pra ela ir embora, e quando sua amiga olhou pra trás, dizendo que tinha ficado preocupada por causa do estado em que ela estava no celular, ouviu Joan gritar “Não!”, enquanto a criatura esfaqueou Mary por trás. Podia ver seu corpo se movendo, arrastado, mas não sabia pra onde. A névoa a estava atrapalhando. Joan tornou a chorar enquanto caminhava até a frente da casa. Ia entrar, mas conseguiu ouvir os gritos de Mary vindos do depósito. Foi até lá em silêncio, e ficou por trás do portão olhando aquilo, tentando pensar em algo. Foi quando viu a criatura, com a faca tirada da perna de Mary, cortar sua própria língua ao meio e sorrir. O sangue escorria como água pelo seu queixo, e ela passava sua língua em um corte que ela tinha feito em seu braço. Joan, vendo aquilo, só conseguiu gritar, e imediatamente a criatura olhou pra trás e, nervosa, fincou sua faca no peito de Mary, causando um grito de morte, e depois tirou. Foi com ela atrás de Joan, que voltou a correr e foi para dentro da casa. De novo ali, no seu quarto, ouvia um silêncio enorme. Sentia que não podia ficar ali, porque sabia que não haveria misericórdia. Mas quando tentou fugir pela janela, foi puxada pela criatura, que apareceu do nada. Joan se contorcia e debatia, mas a criatura tinha uma força descomunal. Levada ao depósito, foi jogada no chão. Foi feito em seu braço o mesmo corte que aquilo tinha, enquanto Joan tentava em desespero gritar por socorro, em meio a gemidos de agonia e dor. A criatura sorriu e disse que era mãe de algo que Joan não conseguiu entender. Ela sentou em cima de Joan e sussurrou com voz desfigurada “é, eu sou a mãe dos demônios. Você já sentiu suas mãos enforcando alguém? Porque eu vou fazê-lo, e te farei assistir.”, e soprou na boca de Joan uma fumaça vermelha. Depois de um tempo, seus pais chegaram em casa. Joan estava ali, parada em sua frente, com as mãos ensanguentadas. Foi quando disse “mamãe?” que seus pais iriam correr a ela, mas não deu tempo. Em um movimento de dedos, seus pescoços foram quebrados.
No dia seguinte, a polícia, que tinha recebido a denúncia de um vizinho, chegou ali. Viram as filmagens das câmeras de segurança, averiguaram e reorganizaram tudo. A casa da família foi restaurada, e a única coisa que sobrou do caso foi uma nota de investigação que diz:
“Assassinato. Não haviam testemunhas do crime ou provas que pudessem incriminar alguém. As imagens das câmeras estavam distorcidas, devido a possíveis defeitos. Quatro corpos foram encontrados, sendo dois deles da família. A filha das vítimas não foi encontrada, e terminou dada como desaparecida.”
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