20 outubro, 2020

84.

  não tava me sentindo bem. vim pro terraço pensar um pouco, essa parte da casa dos meus pais sempre teve uma vista legal. lembro que quando eu morava com eles e tava me sentindo down, sentava na escada que dava pra cá e ficava olhando as estrelas. o céu sempre me acalmou. mesmo que estivesse cinza ou quase branco por nuvens.
tava quase anoitecendo. vim fazer uma visita pra minha mãe, mas a briga com meu pai foi inevitável. sei lá, acho que ele sempre curtiu jogar coisas na cara. nunca aceitei essa merda. mas sempre preferi ficar calada. tô com uma sensação de nostalgia e porra, vontade de fumar. talvez eu sempre tenha sido meio destrutiva.
desci as escadas e fui me despedir da minha mãe. disse que tinha que fazer umas paradas em casa.
cheguei rápido, a gente não morava tão longe assim. toda vez que entro aqui sinto paz. diferente de como eu estava. dei uma ajeitada na casa e fui pro banho. hoje não tava afim de escrever. ultimamente a vontade de não me ligar na realidade tem me consumido, e isso é bom. pelo menos pros meus escritos. tomei uma aspirina quando sai do banho e fui me vestir. tinha combinado de sair com minhas amigas, só a gente. eu tava com alguém mas hoje queria estar só. sei lá, é bom o coração ter a quem pertencer. mas talvez meu coração nunca tenha muito querido ser de alguém. talvez ele queira pertencer à pessoa certa. talvez ele pertença a si próprio. é.
a gente vai pra um lugar fora da cidade. ouvi dizer que lá é massa. duplo ambiente, essas paradas. tenho que resolver tanto... mas hoje não.
terminei de me arrumar e fui comprar um isqueiro. eu tava fumando com alguma frequência e isso me lembrava meu pai. ele fumava o mesmo cigarro antigamente. fico pensando se mais tarde eu vou ser parecida com ele. com um jeito de não ligar pro que faz consigo.
tava pensando demais. as meninas chegaram, já eram umas oito horas mas a gente ainda ia em uma lanchonete. melhor pra eu não passar mal. sei lá, hoje me sinto esquisita.
comemos e pedimos um carro pra irmos pra esse tal lugar. chegando lá, já tava super cheio. era bom mudar os ares. tava acostumada com minha cidade. a gente sentou e jess foi pedir as bebidas e um rosh. era bom estar num canto onde eu não conhecia ninguém. podia ser até mesmo outra coisa. hoje sentia como se quisesse soltar algo preso dentro de mim. já tava fodida mesmo. queria parar de pensar, e jess chegou com skyy e red bull. disse que lá eles não tinham nada barato. sei lá, nunca me importei muito com isso. desde que me deixasse louca, não me interessava se fosse um real ou mil. a gente começou a dançar e do nada já eram duas da manhã. a lavi foi no balcão dizendo que ia trazer uma surpresa pra gente beber, e voltou ja me entregando um copo. eu cheirei pra saber o que era e o cheiro era forte demais, mas nós tres viramos uma dose daquela mistura. lavi disse que era vodka, cerveja e um pouco de absinto. eu fiquei louca demais. mas me sentia livre. as meninas ficaram dançando e eu resolvi descer as escadas. ainda nao tinha visto o outro ambiente, e quando eu desci, parecia que tava em outro lugar. tinha leds pra deixar tudo roxo, umas cadeiras, desenhos geometricos no chão. a escada ia ficando menos iluminada à medida que eu ia descendo, e o jogo de luz forte fazia parecer que tava tudo travando. ou talvez eu estivesse imaginando coisa. sentei lá embaixo e uma menina me chamou pra sentar com ela e os amigos. eu fui, depois de pedir no outro balcão por um copo de água. nem esquentei lugar, levantei e fui dançar. era uma música meio eletrônica, e eu parecia que sentia cada beat invadir meu corpo e passar por mim à medida que dançava, então olhei pro balcão. quando fui pedir a agua, um cara me atendeu, e agora ele tava me olhando. eu parei de dançar na hora, porque eu sabia que tava louca, mas na hora que a gente se olhou, foi como uma explosão. eu sabia que meu coração estava com alguém, mas meu corpo tava ali, e naquela fração de segundo, eu e ele ficamos nos fitando, e nossos olhares conectados fizeram a música ficar distante. tudo parou naquele momento. senti como se fosse uma vibração melhor que o proprio beat. eu sorri e fui subir as escadas. sentei um pouco com as meninas, peguei um cigarro e levantei. precisava de um ar. na hora que fui saindo, vi que o cara lá de baixo tava perto da porta. passei por ele e fui fumar. fiquei encostada em um poste, tentando encontrar algum sentido na minha mente. eu sentia que já tinha acabado pra mim. já tava muito louca. deixei o cigarro apagar, cheguei perto do garoto e perguntei se ele tinha isqueiro. ele disse que não. não fumava porque não curtia o cheiro. a gente começou a conversar lá fora e fecharam a porta do lugar. um segurança nos perguntou se íamos entrar, porque eles iam fechar o portão pra que ninguém mais o fizesse. já tava lotado. a gente deu de ombros. eu não queria ir pra lá. então ficamos conversando, mas começaram a cair pingos de chuva. ele me chamou pra ir até o carro dele pra que não nos molhassemos, e fomos. a chuva aumentou do nada. eu tava louca, comecei a falar sobre como eu queria comer e não queria ir pra casa. não queria me sentir como eu mesma. ele perguntou a razão. se fez um silencio, fiquei observando a chuva escorrer pelo vidro do carro. eu não ia falar sobre meus problemas pra alguem que mal conheci. sempre fui transparente, mas não queria assustar ninguem. ele parecia ter entendido, porque começou a dirigir e disse que a gente podia ir pra casa dele. chegando lá, ele disse que ia pegar uma blusa pra que eu tirasse a roupa molhada. não tava pensando muito se isso foi com outra intenção. ele fez eu me sentir a vontade, então fui na geladeira e por sorte tinha um pedaço de pizza na geladeira. eu comi e fui escovar os dentes. por algum motivo, quando fui fumar, levei minha bolsa junto. sorte.
ele voltou com a blusa quando eu tava a caminho pro banheiro.
eu olhava no espelho e via duas de mim, tava tonta demais. deve ter sido a bebida que a lavi fez. voltei pra sala e nao vi ele, entao sentei no sofa e fiquei esperando. ele voltou da cozinha e sentou no outro sofa. ja tava com uma roupa mais confortavel tambem. a gente começou a conversar, e eu comecei a rir porque notei que tava com uma pessoa que eu mal conhecia, e tava me sentindo bem. eu olhei pra ele. percebi que curtia demais trocar esses olhares. achava ele lindo. ele me disse que a chuva tava dando vontade de escrever, e eu me espantei porque nao sabia que ele tambem tinha disso. eu disse que queria ser escritora e a gente foi falar disso. deitei a cabeça no colo dele e comecei a me meter a recitar um poema meu. tentava lembrar as partes e sabia que tava dizendo tudo errado. eu mal o conhecia, meu coração não tava ali, mas eu tava maluca e tinha algo de excitante nisso. talvez porque fosse proibido, talvez porque eu tinha bebido. mas eu não queria transar. ele me beijou. quando ele tocou meu rosto, senti a mesma coisa que senti quando eu tava dançando lá no outro ambiente. era estranho e bom.
eu me toquei do que tava fazendo e levantei. pedi desculpa e disse que a gente mal se conhecia. ele não se importou, disse estar tudo bem. sentei perto da janela e fiquei observando a chuva. tava um silêncio estranho agora. ele disse que o momento valeu a pena. disse que ia escrever sobre mim. não ia me mostrar. eu sabia que nunca ia ver. a gente tinha alguma coisa em comum e eu me sentia bem ali desde que o olhei, mas eu sabia que não ia passar daí e sabia que eu não devia estar ali. algo nele me atraía. a noite nos conectou.

Nenhum comentário

Postar um comentário